Não há estatísticas sobre desaparecidos que estavam sob custódia policial. Sociólogo estima que mais de 90 mil pessoas sumiram no Rio desde 1990
Rio - Há exatos 20 dias, a vida de Elizabete Gomes estancou. Desde
quando seu marido, o pedreiro Amarildo de Souza, foi abordado por
policiais da UPP da Rocinha para nunca mais ser visto, ela e os seis
filhos não fazem outra coisa senão procurar o homem magro, de olhos
arregalados, tratado carinhosamente pelos vizinhos como Boi.
“Eu sei que ele está morto. A polícia matou meu
marido”, lamenta. O drama dos parentes do pedreiro, tema obrigatório nas
manifestações de rua por todo o país, é parecido com o de muitas
famílias do Rio. Gente que há anos sofre em busca de pessoas amadas,
também desaparecidas.
Outros Amarildos, sumidos depois da abordagem da
polícia, que deveria protegê-los. Não há estatísticas para medir a
extensão do problema. “Foram mais de 90 mil desaparecidos no estado nos
últimos 23 anos, mas não se sabe quantos estavam sob custódia policial”,
explica o sociólogo Fábio Araújo.
No ano passado, ele defendeu na UFRJ a tese de
mestrado ‘Das consequências da arte macabra de fazer desaparecer
pessoas’. O estudo mostra como a queda do número de homicídios em alguns
anos do governo Sérgio Cabral coincide com o aumento do número de
sumiços em território fluminense. Um indício de que os agentes da
violência — traficantes e maus policiais — estariam usando um outro
método de extermínio.
Episódios assim levaram a ONG Rede Contra a Violência a
apoiar um abaixo-assinado para forçar o governo brasileiro a cumprir a
Convenção Interamericana contra o Desaparecimento Forçado. Em seu artigo
primeiro, o documento estabelece que esse tipo de sumiço é uma violação
inaceitável, e nem mesmo guerra, estado de emergência ou razões de
segurança nacional podem justificá-lo. Enquanto a convenção não é
respeitada por aqui, a alternativa pode ser o projeto de lei que desde
2011 tramita no Senado para transformar em crime a ação de quem colabora
para o desaparecimento de vítimas, como Amarildo.
O DIA conversou com famílias que experimentam
essa espera interminável. Entre elas, há muitas diferenças, como os
bairros onde moram, as circunstâncias do desaparecimento e o peso da
esperança num possível reencontro. Irmão da engenheira Patrícia Amieiro,
desaparecida há cinco anos, depois de passar por uma blitz policial,
Adriano não vê qualquer possibilidade de ela estar viva.
“Devem ter queimado o corpo”, conforma-se. Já
Denise Alves Tavares ainda sonha rever seu filho, Douglas, sumido em
2006, quando tinha 16 anos, depois de uma ação clandestina da PM na
favela de Vigário Geral. “Meu coração de mãe me diz que ele ainda está
vivo”, afirma, mesmo após tantos anos.
Também é diferente a disposição de cada família
para seguir buscando justiça. Dona Izildete Santos, de 62 anos, continua
lutando pelo reconhecimento de que foram policiais os responsáveis pelo
sumiço de seu filho, Fábio, em 2003, no município de Queimados. Já dona
Maria, 85 anos, mãe de Jorge Careli, o funcionário da Fiocruz que sumiu
em 1993 durante operação da Polícia Civil, se desanimou desde que a
Justiça reconheceu a morte presumida do rapaz.
Mais forte que as diferenças é o sentimento de
angústia comum tanto à família de Amarildo, sumido há 20 dias, quanto à
de Careli, desaparecido há 20 anos. Todas mantêm a vida em suspenso,
desde que seus parentes evaporaram das mãos dos agentes pagos para
defender o cumprimento da lei, mas que muitas vezes fazem justamente o
contrário.
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