segunda-feira, 5 de agosto de 2013

À procura de outros Amarildos

Não há estatísticas sobre desaparecidos que estavam sob custódia policial. Sociólogo estima que mais de 90 mil pessoas sumiram no Rio desde 1990

Rio - Há exatos 20 dias, a vida de Elizabete Gomes estancou. Desde quando seu marido, o pedreiro Amarildo de Souza, foi abordado por policiais da UPP da Rocinha para nunca mais ser visto, ela e os seis filhos não fazem outra coisa senão procurar o homem magro, de olhos arregalados, tratado carinhosamente pelos vizinhos como Boi.
“Eu sei que ele está morto. A polícia matou meu marido”, lamenta. O drama dos parentes do pedreiro, tema obrigatório nas manifestações de rua por todo o país, é parecido com o de muitas famílias do Rio. Gente que há anos sofre em busca de pessoas amadas, também desaparecidas.
Outros Amarildos, sumidos depois da abordagem da polícia, que deveria protegê-los. Não há estatísticas para medir a extensão do problema. “Foram mais de 90 mil desaparecidos no estado nos últimos 23 anos, mas não se sabe quantos estavam sob custódia policial”, explica o sociólogo Fábio Araújo.
No ano passado, ele defendeu na UFRJ a tese de mestrado ‘Das consequências da arte macabra de fazer desaparecer pessoas’. O estudo mostra como a queda do número de homicídios em alguns anos do governo Sérgio Cabral coincide com o aumento do número de sumiços em território fluminense. Um indício de que os agentes da violência — traficantes e maus policiais — estariam usando um outro método de extermínio.
Episódios assim levaram a ONG Rede Contra a Violência a apoiar um abaixo-assinado para forçar o governo brasileiro a cumprir a Convenção Interamericana contra o Desaparecimento Forçado. Em seu artigo primeiro, o documento estabelece que esse tipo de sumiço é uma violação inaceitável, e nem mesmo guerra, estado de emergência ou razões de segurança nacional podem justificá-lo. Enquanto a convenção não é respeitada por aqui, a alternativa pode ser o projeto de lei que desde 2011 tramita no Senado para transformar em crime a ação de quem colabora para o desaparecimento de vítimas, como Amarildo.
O DIA conversou com famílias que experimentam essa espera interminável. Entre elas, há muitas diferenças, como os bairros onde moram, as circunstâncias do desaparecimento e o peso da esperança num possível reencontro. Irmão da engenheira Patrícia Amieiro, desaparecida há cinco anos, depois de passar por uma blitz policial, Adriano não vê qualquer possibilidade de ela estar viva.
“Devem ter queimado o corpo”, conforma-se. Já Denise Alves Tavares ainda sonha rever seu filho, Douglas, sumido em 2006, quando tinha 16 anos, depois de uma ação clandestina da PM na favela de Vigário Geral. “Meu coração de mãe me diz que ele ainda está vivo”, afirma, mesmo após tantos anos.
Também é diferente a disposição de cada família para seguir buscando justiça. Dona Izildete Santos, de 62 anos, continua lutando pelo reconhecimento de que foram policiais os responsáveis pelo sumiço de seu filho, Fábio, em 2003, no município de Queimados. Já dona Maria, 85 anos, mãe de Jorge Careli, o funcionário da Fiocruz que sumiu em 1993 durante operação da Polícia Civil, se desanimou desde que a Justiça reconheceu a morte presumida do rapaz.
Mais forte que as diferenças é o sentimento de angústia comum tanto à família de Amarildo, sumido há 20 dias, quanto à de Careli, desaparecido há 20 anos. Todas mantêm a vida em suspenso, desde que seus parentes evaporaram das mãos dos agentes pagos para defender o cumprimento da lei, mas que muitas vezes fazem justamente o contrário.

 

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